Mulher & Vinho: Uma Relação Que Pode Dar Certo

Cláudia A. Stefenon

Enóloga

claudia.biotecsul@via-rs.com.br

O tempo em que discutir aspectos inerentes ao universo feminino era tido como manifestação de feminismo ou então de discriminação já faz parte do passado. Já não se faz necessário comparar homens e mulheres, como se fossem adversários. Existem diferenças sim, o que não torna ninguém melhor, apenas faz com que as pessoas sejam diferentes, exatamente como os vinhos! Portanto, alguns aspectos referentes à mulher e ao vinho podem e, aliás, devem ser abordados.      Nós sabemos que as opções de escolha são muitas, como por exemplo, em relação à idade (jovens ou maduros), apresentação (brancos, rosados e/ou tintos), perfil (tranqüilos, espumantes, licorosos, secos ou suaves, etc.). Estas características mudam os compostos presentes em cada classe de vinho, entre as quais poderíamos citar a uva (terroir), o processo de elaboração (tecnologia), o contato com a madeira (reações de oxidação) e o tempo de garrafa (reações de redução). Por isto o vinho possui estrutura complexa, viva, em constante evolução nos diferentes momentos de sua jornada. E esta é a grande e sedutora magia que está oculta em uma taça de vinho! 
 
            Em tempos em que a sociedade se volta para um estilo de vida mais saudável e se pergunta como atingir este objetivo, o vinho é visto como sinônimo de cultura e do saber viver. Alguns elementos de sua composição fazem parte da dieta normal e necessária para o ser humano: a água, indispensável para a hidratação dos tecidos responde por 80% do total; os polifenóis, com reconhecida atividade biológica; algumas vitaminas (complexo B, niacina, retinol, ácido ascórbico, etc.), indispensáveis ao metabolismo (co-enzimas), coadjuvantes na prevenção de doenças e auxiliares no balanço nutricional; sais minerais (co-fatores), imprescindíveis em inúmeras rotas metabólicas; os açúcares e o álcool, fontes de energia e calorias. Estes aspectos, aliados ao ritmo de vida, ao sexo, a idade, ao regime alimentar, a prática de exercícios físicos, tabagismo entre outros, são importantes na manutenção do equilíbrio do organismo humano, que por si só é uma máquina auto-ajustável que modifica seu metabolismo em função destas diversas situações. Além disto, nunca é demais lembrar que o consumo de álcool deve ocorrer de forma moderada, regular e às refeições (intervalo mínimo de 8 horas), pois inúmeros trabalhos científicos já comprovaram que a incidência de doenças é, em geral, alta para os abstêmios e bebedores pesados, e baixa para os que consomem vinho com moderação. Mesmo assim, ainda não existe unanimidade sobre a quantidade segura de ingesta de álcool, embora para as mulheres, uma dose de 24 g parece não conter riscos. Para visualizar melhor, podemos usar como exemplo um vinho com 12% de álcool, o que significa que a cada 100ml deste vinho, 12ml são de álcool, logo, 200ml seria uma quantidade segura.
 
            O papel benéfico do vinho como auxiliar na prevenção do surgimento de doenças, principalmente cardiopatias, neuropatias e neoplasias é alvo de estudos no mundo inteiro. Neste contexto, sabe-se que o estresse oxidativo (desequilíbrio entre as defesas do organismo e a formação de espécies reativas) está associado à maior incidência de casos e que os polifenóis, quando presentes na dieta, exercem uma função importante como auxiliares às defesas endógenas do organismo. Em relação aos polifenóis do vinho, as pesquisas vêm mostrando que este efeito positivo é resultado das interações e do sinergismo entre os diferentes grupos fenólicos, aquém da concentração, o que de certa forma desmistifica a idéia de que somente os vinhos tintos seriam capazes de trazer benefícios.
 
            Para falar um pouco sobre os polifenóis, pode-se dizer que eles atuam como queladores de íons metálicos, seqüestradores de espécies reativas, varredores de radicais livres e coadjuvantes no transporte de íons. Além disto, possuem propriedades antiinflamatórias, antioxidantes e indutoras de apoptose celular.  Estas ações isoladas conduzem a um conjunto de benefícios, como por exemplo, aumento da resistência das fibras colágenas, exercendo efeito protetor sobre as paredes dos vasos sangüíneos; menor formação de coágulos, diminuindo a formação de placas arteriais; menor formação de radicais livres, reduzindo a oxidação dos lipídeos; proteção dos linfócitos, preservando o sistema imunológico; favorecimento das funções digestivas; retardo do envelhecimento celular e orgânico, etc.
           
            Testes in vitro, ensaios in vivo e estudos epidemiológicos realizados no mundo inteiro vêm comprovando os efeitos benéficos do vinho. Em relação ao câncer de mama (o qual mata mais mulheres do que outras doenças e tem relação direta com a ingesta de álcool), o vinho também age de forma protetora, segundo inúmeros estudos realizados no mundo com mais de 20.000 mulheres (Instituto de Nutrição da Universidade de Paris/França, Centro de Epidemiologia da Universidade da Toscana/Itália, Unidade de Epidemiologia da Universidade de Montreal/Canadá, Centro de Estudos Prospectivos da Universidade de Copenhagem/Dinamarca, entre outros). Para o câncer de ovário, os resultados foram similares em pesquisas com mais de 600.000 mulheres realizadas no Departamento de Nutrição da Escola de Saúde Pública de Harward e na Universidade do Hawaii nos EUA e no Departamento de Epidemiologia, Nutrição e Toxicologia do Instituto Maastricht na Holanda. Um acompanhamento de mais 3.060 mulheres durante 8 anos conduzido no Departamento de Nutrição do Simmons College em Boston/EUA demonstrou o mesmo quadro no que diz respeito ao câncer de pele.  Os resultados continuam se repetindo quando o assunto é pressão arterial elevada, mal de Alzheimer, derrame cerebral, infertilidade feminina, climatério e menopausa, osteoporose, diabetes Mellitus tipo 2, etc., onde outras 300.000 mulheres fizeram parte de diversos estudos realizados no Hospital da Mulher, na Escola de Saúde Pública de Harward, no Centro Americano de Controle de Doenças & Associação Americana do Derrame Cerebral nos EUA, na Universidade de Medicina em Rotterdam na Holanda, nos Departamentos de Epidemiologia e Medicina Comunitária da Universidade de Ottawa/Canadá, no Centro de Epidemiologia do Câncer em Carlton na Austrália, no Departamento de Medicina da Universidade de Estocolmo na Suíça, entre outros.
           
Enfim, as evidências são muitas, alicerçadas no universo significativo amostrado e nas diferentes metodologias que embasaram os inúmeros estudos desenvolvidos ao redor do mundo, o que aumenta o prazer de dividir uma taça de vinho! Afinal, o vinho pede uma companhia não é?! Porém é importante não esquecer que o vinho não opera milagres, ele apenas faz parte de um estilo de vida que contempla dieta equilibrada, prática de exercícios físicos, ausência de tabagismo, especificações particulares e/ou contra-indicações médicas (quaisquer que sejam elas), controle do estresse e, é indiscutivelmente, consumo moderado, regular e às refeições. Saúde!!!

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